Por Cláudio Puty, em O Liberal
O noticiário político das últimas semanas está dominado por dois assuntos: o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, dos 38 réus do chamado “mensalão”; e a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga as atividades do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Sem entrar na discussão de que, no caso do “mensalão”, os setores conservadores criaram um clima de “caça às bruxas” em que se promove a condenação antecipada e o linchamento moral dos réus, o fato é que os dois episódios têm um fio condutor, que são os vícios do financiamento privado das campanhas eleitorais. Em relação ao “mensalão”, vários réus admitiram a existência de “caixa dois” nas campanhas – uma prática comum no sistema partidário brasileiro –; no caso de Cachoeira, descobrimos que um senador da República, pretenso Catão dos trópicos, foi eleito com apoio e dinheiro de um bicheiro com amplas conexões em várias esferas do poder político.
Faz parte dos usos e costumes da direita brasileira individualizar as culpas pelas eventuais mazelas nacionais, como a corrupção. Nessa ótica, Getúlio Vargas era o responsável pelo “mar de lama”; Juscelino Kubitschek foi acusado de corrupção na construção de Brasília e Lula promoveu o “mensalão” para ter apoio no Congresso. Ao individualizar as práticas de corrupção, a direita promove um diversionismo que impede que se veja o sistema que a produz e alimenta. Dessa maneira, quando estoura um escândalo, como no caso do Collor, desfazem-se dos anéis para se preservar os dedos. Algo deve mudar para que tudo permaneça como está, na fórmula transformista de Tancredi, personagem de Tomaso di Lampedusa no livro Il Gattopardo.
No caso da corrupção eleitoral, estamos diante de um problema causado pelo sistema atual, misto, que prevê o financiamento público ao mesmo tempo em que não estabelece limites ao financiamento privado das campanhas eleitorais. Esse sistema permite que grandes empresas façam doações milionárias a candidatos, na expectativa – ou certeza, em alguns casos – de serem posteriormente beneficiadas com esquemas de desvio de dinheiro (público) para seus cofres (privados). Como mostra a experiência de outros países, principalmente na Europa, somente a implantação do financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais poderá, senão acabar, ao menos reduzir drasticamente esse foco de corrupção.
A Comissão Especial da Reforma Política do Senado aprovou, no ano passado, o financiamento público exclusivo nas campanhas eleitorais. O item comporá o projeto de reforma política que, depois de consolidado, tramitará no Congresso Nacional. Mas a reforma não anda; ainda não há consenso sobre outros temas polêmicos, como o voto em lista, teto para o custo das campanhas e consulta popular sobre as mudanças. De qualquer forma, é preciso garantir que a reforma crie condições de igualdade que permitam o fortalecimento de verdadeiros partidos, impedindo a oligarquização ou o engessamento da vida política nacional.
A experiência da ditadura militar nos ensinou que a existência de partidos políticos é essencial para a consolidação da democracia. Mas a intromissão excessiva do dinheiro na vida partidária exerce pressões e situações que desfiguram as funções públicas e adulteram a prática democrática. Contudo, não podemos ser ingênuos: a democracia tem um custo de funcionamento que é preciso pagar, mas de maneira que seja o sistema democrático que controle o dinheiro e não o oposto, como bem observou o cientista político Daniel Zovatto em um paper sobre financiamento e campanhas eleitorais na América Latina.
O financiamento exclusivamente público das campanhas é um passo decisivo no sentido de se aperfeiçoar a vida político-partidária, ampliar sua transparência e colocá-la a serviço dos problemas efetivos da cidadania. Como ensina Giovanni Sartori, mais que qualquer outro fator, é a competição entre partidos com recursos equilibrados que fortalece a democracia.
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