Do Diário do Pará
Parece que nem mesmo o governador Simão Jatene (PSDB) aguenta insistir na história de que o Pará está de fato tão bem quanto pinta sua milionária propaganda institucional. Ontem, ao liderar a aula magna em um dos campi da Universidade do Estado do Pará, o tucano foi vaiado pelos estudantes presentes desde o momento de sua entrada no ginásio onde acontecia o evento, no bairro do Marco. Quando finalmente ia falar, um grupo deles, com cartazes nas mãos, ocuparam parte do espaço onde o governador estava, reclamando da pouca atenção da administração estadual para com a estrutura da Uepa como um todo - um comportamento recorrente em várias outras áreas no Estado, como o DIÁRIO vem denunciando dia após dia.
Como se cansado estivesse de dar murro em ponta de faca, Jatene cedeu o microfone aos universitários manifestantes e os deixou falar, revelar a difícil rotina de um estudante da rede pública estadual do Ensino Superior na capital e no interior.
A agência de notícias do Estado foi quem assumiu o lugar do governador na hora de manter as aparências: destacou algumas horas após o ocorrido que “Simão Jatene quebrou o protocolo da cerimônia e, de forma democrática, convidou os jovens [referindo-se aos alunos em protesto] a usar a palavra e iniciar um debate mais aprofundado”.
Segundo a agência, Jatene teria ouvido “todas as reivindicações e demandas e respondeu pontualmente diversas perguntas sobre os principais investimentos feitos no Estado”.
Chuva de vaias
Um professor que acompanhou a cena, mas preferiu não se identificar, declarou que a cada citação do nome de Simão Jatene pelo cerimonial, as vaias ecoavam pelo ginásio.
“Nos cartazes, os alunos reclamavam da situação dos campi do interior, como o de Igarapé-Açu e o de Cametá, que chegaram a ser fechados ano passado por falta de professores, pelo fato de só contarmos com um único restaurante universitário. Ele tentava começar a falar e vaiavam. Começou a andar pelos calouros, dava o microfone para que eles falassem, não dando bola para os alunos que estavam em protesto. Até que uma caloura disse que era para que ele deixasse que os manifestantes falassem, porque eles mereciam ser ouvidos”, relatou. “Aí ele disse que era um democrata e que por isso passaria vez. Pediu para que escolhessem quatro representantes para falar. Quando um deles o chamou de incompetente, se aborreceu, disse que os respeitava. Foi quando outra aluna, com cartaz na mão disse que desrespeito à universidade, como o governo dele faz, também é uma forma de desrespeito ao estudante”, contou
Míngua
Também ontem o DIÁRIO teve acesso a um relatório situacional da Uepa que ajuda a entender a pouca reação de Jatene às queixas dos acadêmicos - logo ele, que bateu boca em Santarém, há alguns meses, com uma estudante que reclamava da ‘maquiagem’ feita em uma escola de Ensino Médio inaugurada na ocasião, em um vídeo que circulou a todo vapor nas redes sociais.
As fragilidades apontadas são muitas, principalmente na graduação, na pesquisa, na pós-graduação e no orçamento da Universidade. Embora tenha diminuído em apenas R$ 3 milhões entre 2013 e 2014, o orçamento total de pouco menos de R$ 230 milhões prevê apenas chocantes R$ 793.334 mil em investimentos por parte do Tesouro Estadual, uma queda de quase 94% em relação ao que se investiu, pela mesma fonte, no ano passado, cerca de R$ 13 milhões - não estão inclusos aí valores oriundos da própria Universidade e de convênios, que não chegam a R$ 4,5 milhões. O “troco” que vai para esse fim é resultado do gasto de quase R$ 175 milhões em pessoal e R$ 38,4 milhões em custeio, e vai resultar em crescimento perto de zero para uma das instituições de Ensino mais respeitadas do Estado.
Situação funcional e de estrutura é crítica
O gasto com pessoal alarma não apenas pelo montante, mas por se tratar de uma instituição que, de acordo com o mesmo relatório, possui um corpo docente limitado por um Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS) defasado desde sempre, já que foi criado em 2000, durante o último mandato de Almir Gabriel como governador, e implementado somente em 2006. Diz o documento que todas as solicitações de ampliação relacionadas ao PCCS foram ignoradas pelo governo e que a proposta com esse fim enviada pela universidade em maio de 2011 ficou engavetada na Secretaria de Estado de Administração (Sead) até novembro do ano passado, quando retornou para reestudo. Enquanto isso, a Uepa esgotou seu número de cargos de docentes e hoje não pode nomear ou contratar doutores, contando apenas com 80 vagas em aberto para professores auxiliares e assistentes.
Sem andamento
Servidores técnico-administrativos em número insuficiente somam a um crescimento de vagas para a graduação quase que insignificante diante da demanda - eram 2.536 vagas em 2010 para 66.933 inscritos, enquanto que a mesma relação em 2014 é de 3.106 para 100 mil - e acervo bibliográfico defasado, bem como à situação dos laboratórios de ensino: pelo menos dez dos seus 20 campi estão em obras sem previsão de acabar.
Esse é o caso do Prédio da Saúde de Marabá, cujo curso de Medicina já tem sua primeira turma de aprovados iniciando aulas no próximo semestre, ou de um dos campi da Saúde de Belém, cuja construção da primeira fase do prédio de ambulatórios e clínicas do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS) está ainda nas fundações desde 2010.
Diante de tantos números ruins, tantas urgências deixadas em segundo plano, é de se entender a postura de quem já não tem mais o que fazer diante do caos implantado pelo governador, que ainda encerrou sua fala, mais uma vez de acordo com a agência de notícias do Estado, afirmando ter promovido um “belo exercício de boa política, de um debate que faça a gente refletir”, e que esse é um dos papéis da universidade. “Sempre digo que a desigualdade machuca e a diferença tempera; a desigualdade diminui e a diferença enriquece”.
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