Pesquisar este blog

segunda-feira, 12 de maio de 2014

"O Brasil está mudando para melhor. Não dá para contestar isso."

Da Carta Maior

A relação entre as transformações do Brasil nas últimas duas décadas e a luta para superarmos a herança nefasta de 21 anos de ditadura militar é o tema da entrevista concedida ao Blog do Zé pelo economista Ladislau Dowbor, professor da PUC-SP.

Dowbor, dentre os mais atentos observadores e analistas da cena política e econômica brasileira, que não apenas viveu o período militar, mas lutou contra a ditadura, mostra como a desigualdade social e regional fizeram parte do modelo adotado pela ditadura militar. Destrincha o milagre econômico e aponta o que estava por trás da máxima daqueles anos “deixar o bolo crescer primeiro, para depois distribuir”.

No alto de sua experiência em consultoria para as Nações Unidas e outras entidades, além de diversas passagens pela máquina pública, tanto no Brasil como no exterior, Dowbor alerta para a inconsistência das análises econômicas que atualmente pululam na mídia. Didaticamente, ele mostra o caminho: “É preciso fazer a lição de casa”, ou seja, o trabalho do economista: procurar os números, analisar os dados, comparar, checar…

Em seu site, www.dowbor.org, vocês podem encontrar e baixar os trabalhos do professor Dowbor. São mais de trinta anos destinados à economia e ao esforço de traduzi-la para um conjunto cada vez maior de pessoas. Seu mais recente trabalho, “Os Mecanismos Econômicos” (confira a íntegra aqui), mostra exatamente como funciona o sistema econômico e porque interessa a alguns setores que esses mecanismos permaneçam desconhecidos pela maioria da população.

Acompanhem a entrevista:
 
Uma das coisas que exploraram e usaram de pretexto para dar o golpe é que a inflação do governo João Goulart, o Jango era altíssima. Depois, durante a Ditadura, em longos períodos, tivemos inflação altíssima…
 
[ Ladislau Dowbor ] Em seus trabalhos, o Celso Furtado deixou muito claro que a inflação é um mecanismo de transferência de recursos. De forma geral, dos pobres para os ricos. Mais especificamente, das pessoas que têm renda fixa para os que têm renda variada. Uma empresa cuja matéria prima teve seu preço aumentado, acaba aumentando seu preço de venda. Ela tem formas de acompanhar a evolução da inflação. Um banco, se passa a captar dinheiro com um preço mais alto, ele joga isso nos juros. Eles têm como repassar o processo inflacionário para a frente. Agora, quando a inflação bate no trabalhador, ele fica esperando o reajuste salarial. Só que ela é empurrada durante todo o mês. Então, quando ele recebe o pagamento, na semana seguinte, o salário já vale muito menos.

Os assalariados, os aposentados e os pequenos produtores, que não têm como passar o preço para frente acabam perdendo a capacidade de compra que é transferida para as elites. Em particular para os bancos que criaram todo um sistema de aplicações de alta rotatividade. Neste sistema, eles aplicam o montante que o depositante deixa no banco. Com isso, os correntistas estavam perdendo o seu dinheiro e os bancos não. Todo processo de inflação se constituiu na transferência de concentração da renda nas elites. É importante pensar a inflação assim, porque as pessoas dizem “os preços subiram”. Inflação não aparece, de repente. Alguém subiu os preços para ela existir. E são esses grupos que sobem os preços, em particular os mercados financeiros, que jogam com a inflação como uma forma deles conseguirem reforçar a concentração de renda.

Isso é tão enraizado na cultura das elites brasileiras que em 1993, com o Plano Real, quando se quebra a inflação, foi feito uma troca: os bancos pararam de ganhar o que vinham obtendo com a inflação e passam a ganhar com os juros com duas vertentes: com os juros comerciais e com a taxa Selic. Apresentar juros ao mês é uma desonestidade
 
Tão alta e constante elevação dos juros, chega a ser, então, uma desonestidade?
 
[ Dowbor ] No caso dos juros comerciais, as pessoas não se dão conta, até porque não conhecem os juros internacionais e do resto do mundo. Só para citar alguns exemplos. Houve um escândalo nos EUA porque eles estavam cobrando 16% de juros ao ano no cartão de crédito. No Brasil o índice é 238% ao ano. O juro é calculado ao ano. Apresentá-lo ao mês, como ocorre no Brasil, é uma desonestidade, porque você esconde que ele é cumulativo. A pessoa pensa “é só 3%”. Eu sou professor da PUC-SP. Ela me paga no Santander e o cheque especial aqui no Brasil é de 160% ao ano. Agora, lá na Espanha, o correntista do Santander tem o direito de entrar no cheque especial até 5 mil euros, por seis meses e com juros zero. Isso é lógico. Como as pessoas deixam ali um dinheiro não aplicado – mas que o banco aplica – se o correntista entrar um pouco no vermelho, as coisas se equilibram. Existe uma lei para isso.

De certa maneira, o processo de concentração de renda nas mãos das elites (dos rentistas, principalmente aplicadores financeiros de diversos tipos), garantida pelo sistema da inflação, acentuada em 1964, se manteve por meio do sistema dos juros dos bancos comerciais a partir de 1993, quando entra o Plano Real. Basicamente hoje isso está na faixa de 60% ao ano para pessoa jurídica e 110% ao ano para pessoa física. A média do que se paga aqui no Brasil ao mês é o que se paga no resto do mundo ao ano. Em outras palavras, temos uma gigantesca transferência de recursos dos produtores, dos assalariados, das empresas produtoras para os intermediários financeiros, os rentistas.
 
E via a alta taxa SELIC?
 
[ Dowbor ] A outra via dessa transferência, além dos bancos comerciais, é a SELIC. Quando o Lula assume em 2003, a taxa SELIC estava a 24,5%, risco zero e liquidez total. Eu coloco a minha poupança no banco, ele usa esse dinheiro e me paga 8% ao ano. Mas, ele pega esse dinheiro e compra títulos do governo. O governo está pagando ao banco 24,5%, risco zero. No governo FHC a SELIC chegou a 46% ao ano. Mas, de onde o governo tira esses 24,5% para pagar? Ele tira dos impostos. Da minha aplicação, o banco me paga 8% ao ano, mas tira 24,5% do governo. Isso é uma transferência de renda que funciona atualmente, chegando à ordem de R$ 150 bi/ano transferido dos nossos impostos para pagar os bancos.
 
Eles acabaram com a CPMF que era um imposto razoável e eram os bancos que pagavam, porque eles fazem as transações financeiras, os demais pagavam pouco. Acabar com a CPMF foi uma forma de absolver os bancos dos impostos que chegava a R$ 60 bi. A SELIC chega a R$ 150 bi ao ano, é dinheiro dos nossos impostos transferido para os intermediários financeiros. Além disto, cobram juros exorbitantes, basicamente a mesma taxa ao mês que no mundo se paga ao ano. A isto temos de acrescentar os crediários comerciais, com os juros que eles obram, tipicamente de 100%. Pensem no exemplo das que têm dedicação total a nós. Tipicamente, um fogão que sai a R$ 200,00 da fábrica, eles vão pagar 40% de imposto, e vão ganhar bem mesmo vendendo à vista, cobrando por exemplo R$ 420 a vista. A prazo sai R$ 820,00. O consumidor está pagando $820,00 por um fogão que sai a R$ 200,00 da fábrica. É na venda a prazo, com juros exorbitantes, que se faz realmente o lucro. É mais uma atividade de intermediação financeira do que prestação de serviços comerciais.

Existe uma máquina de intermediários que drena as capacidades produtivas, tanto por reduzir a capacidade de investimentos dos produtores, como de obtenção por parte da população. Esse era o sistema contra o qual o João Goulart queria tomar medidas – estava em suas propostas de reformas de base. Foi o sistema que a ditadura militar reforçou mantendo a inflação e é o sistema que continua no tripé juros dos bancos / juros dos crediários / e taxa SELIC. Você pode me perguntar, mas por que esse negócio funciona? Funciona por uma razão muito simples: porque ninguém entende o sistema financeiro. Tanto isso é verdade que o Joseph Stiglitz, que foi economista-chefe do Banco Mundial, ganhou um prêmio Nobel porque ele mostrou como funciona. Mostrou esses mecanismos com base na assimetria da informação.

Vamos supor que você tenha um dinheiro e queira fazer uma aplicação. Você chega no banco e vai perguntar para o gerente de crédito no que deve aplicar. No final das contas, vai acabar fazendo o que ele achar. Você não acha nada. Com Lula, o Brasil dá uma guinada

Leia mais clicando aqui.


Nenhum comentário: